Crónicas by Me

Para quando um bebé?

Sei que na grande maioria dos casos a pergunta é inocente, que se trata muita vezes um “desbloqueador de conversas”, que a intenção é quebrar silêncios incómodos, mas vamos acabar com o:
 “ E para quando um bebé”?
“Já casaram agora têm que começar a pensar num filhote”!
“Agora está na hora de dar um mano ou uma mana ao menino.”
Porque muitas vezes não são meras questões e muito menos desbloqueadores de conversas, são feridas que se abrem um pouco mais, a cada nova abordagem neste sentido. Para os casais que não pensam nisso não há qualquer constrangimento e à banalidade da questão, respondem com um simples “ temos tempo”, mas casais há, em que o tempo se transmuta e assume um cariz aterrador. A cada mês, uma nova batalha armada de esperança, cada teste de gravidez negativo gela-os por completo e a proporção da bola de neve vai aumentando gradualmente, de mês para mês, de teste para teste, e a ansiedade tolda-lhes a esperança e a esperança contrariamente à bola de neve, vai derretendo, vai ficando reduzida perante o tic tac demasiado nervoso dos ponteiros do relógio. Quando colocamos determinadas perguntas ou soltamos determinadas insinuações respeitantes ao milagre da conceção, não se trata tão somente de quebrar silêncios, são dois corações almejantes a pais, que automaticamente recordam com dor, o quão quebrados estão por caírem continuamente mês após mês, teste após teste.
Quem nunca o experienciou não consegue sequer imaginar a dor, de quem há anos, arrumou todos os outros sonhos na gaveta, para se dedicar de corpo e alma ao sonho de ter um filho. Há casais que dão o que têm e o que não têm, que tiveram abdicar de muita coisa, material e não só para investir num sonho vão, cujas possibilidades de sucesso são sempre uma incógnita. E se souberem de ante mão da luta que uma mulher trava para engravidar, por melhor que seja a intenção, não lhes digam: “Vais ver que quando deixares de pensar nisso a coisa acontece.” Relaxa, não penses nisso e tudo vai correr bem”, e nunca em situação alguma as iludam, não digam que já está com cara de grávida, não lhes questionem a dimensão da barriga para tentar saber se está grávida… Não se pode pedir a uma pessoa que acorda e adormece todos os dias a pensar no seu maior sonho, que simplesmente o esqueça e esqueça também a ansiedade que o envolve, o ideal é que a mulher que tenta engravidar tente aproveitar cada momento ao máximo, mesmo que nunca deixe de pensar no sonho que a move, mas que essa ambição nunca lhe roube a possibilidade de ser feliz aqui e no agora, que consiga perceber que a vida continua paralelamente ao seu desejo eloquente de ser mãe, que se é para continuar a lutar que seja com energia e cabeça erguida, não vale a pena baixar os braços e esperar pelo milagre, o milagre virá certamente, mas se demorar três anos, que sejam três anos vividos ao máximo, e o que tiver que ser será, o tempo não volta atrás, e não é a felicidade que experimentamos quando realizamos um sonho, são os momentos felizes que vamos colecionando no decurso da obtenção do sonho, a meta é aliciante mas o seu percurso pode ser mágico, e tudo depende do modo como encaramos a vida. E nunca em momento algum um dos membros do casal se deve sentir culpado, a culpa é das emoções mais negativas que podem existir, pinta gradualmente manchas negras na alma e em nada abona a nosso favor, pelo contrário faz-nos recalcar um sem número de outras emoções e por vezes quando deveríamos estar mais fortes do que nunca, deixamo-nos derrubar pela vulnerabilidade que a culpa nos submete e o casal que deveria estar mais unido que nunca, para se apoiar mutuamente entra em desequilíbrio e a bola de neve, nunca pareceu tão pesada.
 Felizmente eu tenho um pedaço de sonho, o meu pequeno milagre como gosto de lhe chamar, descobri-o numa ecografia, precisamente quando a doutora me havia acabado de preparar para a dificuldade que teria em engravidar. Lamentei de imediato, disse que sentia desde sempre nunca iria conseguir engravidar, porém segundos depois ela descobre uma manchinha maravilhosa no ecrã, ficou estupefacta mas indescritivelmente feliz ao assistir ao rol de lágrimas no meu rosto, era o sonho de uma vida, era um sem número de testes negativos, alguns falsamente negativos. Adoraria dar um mano ao meu filho, mas não está fácil, os anos passam e eu estou a chegar àquela idade em que sempre disse que nunca iria ter filhos, e apesar do sonho que é imaginar a família a aumentar, não me agarro a isso, vivo o meu dia a dia a 100%, não deixo uma percentagem presa a esta minha vontade, acredito que o que tiver que ser será, e senão o foi, é porque por alguma razão inimaginável não tinha que ser, mas dói, dói quando o meu filho me pede para brincar com ele constantemente e eu nem sempre tenho essa possibilidade, dói quando o vejo com o primo e percebo o excelente irmão que ele viria a ser, terno, meigo, protetor, dói quando vejo bebés maravilhosos e sinto uma saudade angustiante e uma vontade imensa em voltar a sentir os seus cheiros, dói sobretudo ser constantemente abordada com a questão de dar um mano ou uma mana ao meu filho e respondo: “Não sou eu que mando, é quando Deus quiser”, poderia lhes mentir e dizer que não quero mais nenhum, mas a verdade é que quero muito e pode ser que se perceberem o quanto me deixam triste com essa questão e me deixem de perguntar de vez, pois se forem atentos percebem que por detrás do sorriso que por norma me acompanha, há por vezes lágrimas recônditas prontas a irromper. Acredito sempre que de uma qualquer situação difícil, se podem retirar sempre ensinamentos muito válidos, e que se algo nos aconteceu é porque de algum modo viria a ser proveitoso, excepto certas mortes, há mortes que não consigo perceber porque acontecem, de tão descabidas e despropositadas que são, mas acredito que há uma força maior que não deixa nada ao acaso e muitas das vezes mais tarde é que conseguimos deslindar o porquê de determinada situação menos positiva nos ter acontecido.
Sou muito grata pelo que tenho, sou grata pelo que há-de vir, mas não, não vem nenhum mano para o meu filho a caminho, estou apenas mais gorda e a ficar cansada de que me perguntem isso, pois tocam em dois pontos “complicados”, o meu crescente peso e o facto de efetivamente não vir nenhum bebé a caminho…para quando um bebé? Quando Deus quiser…até lá vou vou-me entreter a ser feliz com todas as dádivas que tenho vindo a colecionar ao longo da vida :)



Rugas

Após um início de relação bastante doloroso com as minhas rugas, fizemos as pazes. O nosso primeiro encontro foi tempestuoso, também porque nos conhecemos numa altura dificílima, perfeitamente inoportuna, precisamente quando iniciava uma nova relação com o namorado, agora marido, sete anos mais novo. A acentuada perda de peso da altura, antecipou a minha relação com as minhas rugas, e na altura surgiu como uma nova alavanca para a minha velha auto estima, quando um qualquer espelho se atrevia a cruzar o meu caminho era o descalabro total. Demorei a aceitar cada novo traço desenhado na minha face e numa altura, em que de certo modo rejubilava com a minha recente relação amorosa, via-me a ofuscar o brilho que esta nova relação me trazia, por não conseguir encarar uma sociedade magistrada, que vê ainda a diferença de idades como algo digno de se tornar na próxima conversa de café. Quando nos cruzávamos com pessoas conhecidas, imaginava-lhes o que lhes ia no pensamento: “aquela deve ser a mãe dele, só pode!”, “que desperdício um rapaz tão bonito, para uma velha”. No decorrer do nosso percurso de vida, o tempo acaba sempre por ser o nosso melhor aliado, e depois de alguns anos, de uma relação forçada e cada vez mais intensa com as minhas rugas, relativizei, abandonei o preconceito que eu própria levava dentro de mim, então aceitei-as e na maior parte dos dias, consigo observá-las com um sorriso no rosto, dias há, esporadicamente, em que ainda tenho alguma dificuldade em reconhecer a mulher no espelho, outrora menina, uma menina que muito antes de ter qualquer ruga, desesperava com a imagem refletida no espelho, porque se focava sempre nos pontos negativos, que o seu aspeto físico poderia revelar. Os anos passam e o que a minha difícil, mas preciosa relação com as rugas me ensinou, é que a beleza está na forma como vemos as coisas, hoje consigo ver muito mais beleza na imagem refletida no espelho do que há 15 anos atrás, porque anteriormente via o que não era essencial, analisava cada detalhe do meu rosto e do meu corpo e recriminava-me constantemente por não ser tão perfeita quanto as modelos das revistas. Agora vejo para além da imagem que o espelho reflete, foco-me no meu olhar e vejo conquistas, vejo lágrimas, vejo sorrisos e até mesmo gargalhadas, vejo crescimento, quietude, perseverança e uma criança que não se cansa de ser isso mesmo, criança, porque em menina vivia em função da mulher que gostaria de ser e hoje vivo para a menina que sei que sou, com muito da menina que fui e com o melhor que recebi da mulher em que me tornei. Hoje preferia que as minhas amigas rugas nunca me abandonassem, pois levam com elas histórias de uma vida, confidenciei-lhes segredos, sonhos e saberes, mas não me importava que se mantivessem como estão, sem muito “show off”, discretas e serenas… Até morrermos a vida insiste em presentear –nos com as mais fantásticas  lições e algumas das lições que guardo com mais carinho são estas: Não é o que vês, é como vês…Não é o que tens, é como desfrutas o que tens…Não é o que os outros vêm de ti é como te vês a ti mesma, é o que sabes que és… e nada mais importa* Carpe Diem…



O Amanhã é Agora!

Ela, que sorri com a mesma facilidade que chora
Ela, cujos sonhos abafou para calar uma vida sôfrega
Ela, que se impõe ao cansaço, almejando sonhos a conta-gotas
Ela, que se rendeu à paz e por isso calou a guerra,
Ela, que canta em silêncio, provando um dos seus sonhos abafados,
Ela, que se entrega às palavras deliciando-se com outro pedaço de sonho,
Ela, que todos vêm, mas tão poucos a sabem,
Ela, que chora lágrimas que não são delas e sorri aos sonhos dos demais,
Ela, que é mulher, que é mãe, que é profissional, que é amiga, que quer ser tudo,
E que se revolta com o relógio por limitá-la ao ponto de se sentir escassa,
Ela, ele, e o seu pequeno mundo de um metro e pouco,
Eles bastam-lhe, eles conferem-lhe um sorriso de infinito, eles são amor
Ela, é feliz em todos os momentos felizes, e são muitos… nos outros chora, aceita e segue em frente com o olhar preso no horizonte e coragem na bagagem, ensinou-lhe a vida, que é a única responsável pela sua felicidade e então, cai, assume os erros, morde os lábios, suporta a dor e avança, a paciência já não lhe permite lamentos, o tempo é escasso para ser desperdiçado, o amanhã é agora.
Ela de olhar cintilante, observa o espelho no meu quarto e sorri, pois está onde deveria estar, no caminho que embora se adivinhe longo, é o seu, traçado de luta com sabor a lágrimas e de  sorrisos que aplaudem vitória.
Ela vive serena na ansiedade de vir a ser mais e melhor, ensinou-lhe a vida que o amanhã é agora.

Obrigada! Volte Sempre! (ou não)

O atendimento ao público não é “pêra doce” e só quem o prova tem essa mesma perceção. Quando cumprimentamos um cliente, dizemos olá ao sorriso, às suas lágrimas, às suas preocupações, frustrações e um sem número de emoções , que positivamente ou negativamente acabam por afetar o nosso próprio estado de espírito, ainda que nem sempre o consigamos relacionar.
Há no atendimento ao público uma relação agridoce, se o deixamos de fazer por motivos de desemprego ou de um novo percurso profissional, por vezes sentimos o vazio que os clientes amigos nos deixam na alma, se estamos há anos a fazê-lo sentimos por vezes um desgaste imenso provocado pela cansaço que é vivermos os problemas dos outros, pois não somos apenas o empregado de balcão, somos a almofada de consolo e até nós peregrinam as mais trágicas histórias de vida, somos o saco de boxe onde outros tantos vêm descomprimir o stresse do dia-a-dia, ganhamos formação para podermos acrescentar ao nosso currículo: engolidores de sapos, atores e atrizes, conselheiros matrimoniais, psicólogos, gestores de conflitos e um sem fim de dotes que a experiência com o público nos vai cedendo.
Muitas vezes temos que sorrir com vontade de chorar, temos que esquecer os nossos próprios problemas para lembrar à pessoa que desabafa debruçada no balcão, que a vida não é assim tão difícil, que problemas todos temos e que não é a pensar no problema que ele automaticamente se resolve, a energia que nos resta no auge de uma situação mais complicada deve ser despendida com a procura de soluções, com a certeza que vamos dar a volta por cima, demore o tempo que demorar, nunca nenhum drama é eterno, há a queda, há o digerir da queda, há o sentir as dores da queda e há o erguer, tem que haver o erguer, para uns mais rápido de que para outros, mas ninguém pode viver eternamente infeliz, é contra natura! Vejo rostos densos que entram no estabelecimento, sem uma palavra proferir, os seus olhares são opacos, a sua boca não responde ao mais básico cumprimento de coexistência social, não me encaram talvez com medo que lhes perceba a densidade de suas almas, mas não é a mim nem a ninguém que têm que prestar contas, é a si mesmos, eu tenho uma vida própria para cuidar, dos outros só me importa se são felizes e se com isso deixam o mundo um pouco melhor…
 Doem-me as suas perspetivas de superioridade face à pequenez da pessoa que atende o público, doem-me os seus olhares trocistas e os seus sorrisinhos sarcásticos, não me conhecem, quem sabe se apesar de não ter um doutoramento não serei até bem mais inteligente que eles mesmos? Pelo menos aprendi mais da escola da vida e isso deu-me inteligência suficiente para ser cordial com o próximo e para não me sentir superior a ninguém.      

Alegram-me os clientes de alma leve, a empatia criada por vezes com alguém que acabei de conhecer, mas que sinto que poderia levar para a vida, alegra-me apoia-los com as minhas palavras e saber que se despedem de mim com a alma mais leve e um sorriso no rosto, alegram-me os bons dias expansivos e sorrisos translúcidos, a estes clientes dou-lhe o mundo se puder, aos outros digo-lhes: Obrigada! Volte sempre! (ou não).


Porquê agora?

“Oh mulher, mas porquê agora? Não te conhecia dada a estas coisas da escrita…“ Ouvi quando comuniquei, em pleno estado de êxtase, que iria em breve lançar um livro. Engoli em seco, não era essa a reação que esperava, abanou-me, mas não caí como o teria feito anteriormente. Tentei perceber que só me desiludi porque ousei criar expectativas, compreendi que tal reação havia sido natural, afinal todos julgam que nos conhecem, mas tão poucos sabem quem na realidade somos. Sim eu sou a menina, agora mulher, cujo pavor do veredicto da sociedade fez calar. E se no passado a minha insegurança desmedida me fez recolher na minha concha de cobardia, no presente as minhas vontades gritam mais alto que a minha insegurança. Aos trinta e quatro anos relativizamos muito mais as coisas e vibramos muito mais com o que de facto nos preenche e aquece a alma…e sim continuo insegura, mas muito mais corajosa! Percebi que nunca irei agradar a sociedade e portanto obriguei-me a agradar-me a mim mesma e sabe tão bem! Com esta idade, resolvi abrir a gaveta, pegar no livro que se destinava a ser incógnito para sempre e unir esforços para edita-lo! Mas porquê? Porque finalmente três décadas depois de andar por estas bandas, percebi que a felicidade está intimamente ligada a cada passo no sentido das nossas realizações pessoais e…fiz uma pausa na correria da vida, para registar por escrito as minhas realizações pessoais, numa pequena lista que guardo agora como marcador no livro que neste momento me embala antes de adormecer. Assim obrigo-me a revê-la todas as noites e não deixo que me caia no esquecimento, já bastou o tempo que me esqueci de mim mesma… Com este meu novo e saboroso egoísmo, penso cada vez mais em riscar o próximo tópico da lista e cada vez menos no burburinho que este meu novo EU vai despoletar. Porque só eu sei a felicidade que sinto ao escrever, a cantar, a fotografar… a ser eu mesma. Porquê agora? Porque a marioneta amou-se um pouquinho mais e isso fez com que ganhasse forças para cortar as cordas que a manipulavam. Porquê agora? Porque percebi tardiamente que por mais que nos esforcemos, os aplausos vão ser sempre escassos e nem sempre sinceros e então não há porque nos subjugarmos. Porquê agora? Porque me abri à possibilidade de ser feliz a maior parte do tempo e com isto deixar um pouco mais felizes os que me rodeiam. Porquê agora? Porque só com a idade percebemos que o tempo voa, e que se não soubermos aproveitar cada segundo, corremos o risco de já não ter tempo para tudo o que nos falta realizar. Porquê agora? Porque o amanhã pode não chegar e quando partires poderás ficar desiludido com a leveza que a tua alma carrega na bagagem.
Porquê agora? E porque não?  


Bullying


E em escassos minutos muda tudo, o modo como vemos o mundo, o modo como nos vemos no mundo, o olhar cristalino com que contemplavas o mundo minutos antes, vê-se agora embaciado por lágrimas que te obrigam a abrir os olhos, conceber uma nova realidade, percebendo gravemente que a tinta cor-de-rosa com que sempre quiseste pintar o mundo à tua volta, era parca para o tanto que havia ainda por pintar. E nada é igual, refugias-te em ti mesmo, constróis barreiras intransponíveis que em vês de te protegerem, fazem com que te isoles e te sintas mais e mais só e desagregado.O Bullying mata-nos, mesmo que ninguém o note, mata-nos o brio, a coragem, o amor-próprio e como o corpo continua vivo, obrigamo-nos a ressuscitar e a começar do zero, com mais ou menos complexos, com mais ou menos inseguranças e medos, mas é assim, faz parte do processo, é natural existirem boas e más pessoas, temos que conseguir contornar as cicatrizes que as menos boas nos desenham na alma e seguir em frente, erguendo a cabeça tanto quanto conseguirmos, até ao limite em que vemos os sorrisos sarcásticos de quem aplaudiu a nossa humilhação e voltamos a olhar para o chão, para fugir aos sorrisos das pessoas menos boas e dos seus amigos, que nos chamaram de gordos, de palitos, de feios, de orelhudos, de narigudos, de betos, de cromos, de pretos, de tudo o que lhes vier à mente e que sirva para nos fazer sentir diferentes, menos bons, miseráveis…


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