sábado, 16 de abril de 2016

Obrigada! Volte sempre! (ou não)


O atendimento ao público não é “pêra doce” e só quem o prova tem o desprazer de o saborear. Quando cumprimentamos um cliente/visitante, dizemos olá ao sorriso, às suas lágrimas, às suas preocupações, frustrações e um sem número de emoções, que muitas vezes acabam por afetar inequivocamente o nosso próprio estado de espírito, ainda que nem sempre o consigamos relacionar.
Há no atendimento ao público uma relação agridoce, quando o deixamos de fazer pelos mais variados motivos, por vezes sentimos o vazio que os clientes amigos nos deixam na alma, por outro lado, se estamos há anos a fazê-lo é inevitável sentirmos um desgaste imenso provocado pelo cansaço que é interagirmos continuamente com as especificidades comportamentais de cada cliente/visitante. Dia após dia, pé ante pé, passamos a viver os seus problemas pois não somos de modo algum apenas o empregado de balcão, somos sobretudo a almofada de consolo e até nós peregrinam as mais trágicas histórias de vida e somos igualmente o saco de boxe onde outros tantos vêm descomprimir o stresse do dia-a-dia. Gradualmente o nosso currículo vai-se expandindo e passamos a poder desempenhar, com mérito, outras funções: engolidores de sapos, atores e atrizes, conselheiros matrimoniais, psicólogos, gestores de conflitos e um sem fim de dotes que a experiência com o público nos vai cedendo.
E vezes há em que temos que sorrir com vontade de chorar, obrigando-nos a esquecer os nossos próprios problemas para lembrar à pessoa que desabafa, debruçada no balcão, que a vida não é assim tão difícil, que problemas todos temos e que não é a pensar no problema que ele automaticamente se resolve, a energia que nos resta no auge de uma situação mais complicada deve ser despendida com a procura de soluções, com a certeza que vamos dar a volta por cima, demore o tempo que demorar, nunca nenhum drama é eterno, há a queda, há o digerir da queda, há o sentir as dores da queda e há o erguer, tem que haver o erguer, para uns mais rápido de que para outros, mas ninguém pode viver eternamente infeliz, é contra natura! Vejo rostos densos que entram no estabelecimento, sem uma palavra proferir, os seus olhares são opacos, a sua boca não responde ao mais básico cumprimento de coexistência social, não me encaram talvez com medo que lhes perceba a densidade de suas almas, mas não é a mim, nem a ninguém que têm que prestar contas, é a si mesmos, eu tenho uma vida própria para cuidar, dos outros só me importa se são felizes e se com isso deixam o mundo um pouco melhor…
 Doem-me as suas perspetivas de superioridade face à pequenez da pessoa que atende o público, doem-me os seus olhares trocistas e os seus sorrisinhos sarcásticos, não me conhecem, quem sabe se apesar de não ter um doutoramento não serei até bem mais inteligente que eles mesmos? Pelo menos aprendi mais da escola da vida e isso deu-me inteligência suficiente para ser cordial com o próximo e para não me sentir superior a ninguém.      

Alegram-me os clientes de alma leve, a empatia criada por vezes com alguém que acabei de conhecer, mas que sinto que poderia levar para a vida, alegra-me apoia-los com as minhas palavras e saber que se despedem de mim com a alma mais leve e um sorriso no rosto, alegram-me os bons dias expansivos e sorrisos translúcidos, a estes clientes dou-lhe o mundo se puder, aos outros digo-lhes: Obrigada! Volte sempre! (ou não).




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