O atendimento ao público não é
“pêra doce” e só quem o prova tem o desprazer de o saborear. Quando
cumprimentamos um cliente/visitante, dizemos olá ao sorriso, às suas lágrimas,
às suas preocupações, frustrações e um sem número de emoções, que muitas vezes acabam
por afetar inequivocamente o nosso próprio estado de espírito, ainda que nem
sempre o consigamos relacionar.
Há no atendimento ao público uma
relação agridoce, quando o deixamos de fazer pelos mais variados motivos, por
vezes sentimos o vazio que os clientes amigos nos deixam na alma, por outro
lado, se estamos há anos a fazê-lo é inevitável sentirmos um desgaste imenso
provocado pelo cansaço que é interagirmos continuamente com as especificidades
comportamentais de cada cliente/visitante. Dia após dia, pé ante pé, passamos a
viver os seus problemas pois não somos de modo algum apenas o empregado de balcão,
somos sobretudo a almofada de consolo e até nós peregrinam as mais trágicas
histórias de vida e somos igualmente o saco de boxe onde outros tantos vêm
descomprimir o stresse do dia-a-dia. Gradualmente o nosso currículo vai-se
expandindo e passamos a poder desempenhar, com mérito, outras funções:
engolidores de sapos, atores e atrizes, conselheiros matrimoniais, psicólogos,
gestores de conflitos e um sem fim de dotes que a experiência com o público nos
vai cedendo.
E vezes há em que temos que
sorrir com vontade de chorar, obrigando-nos a esquecer os nossos próprios
problemas para lembrar à pessoa que desabafa, debruçada no balcão, que a vida
não é assim tão difícil, que problemas todos temos e que não é a pensar no
problema que ele automaticamente se resolve, a energia que nos resta no auge de
uma situação mais complicada deve ser despendida com a procura de soluções, com
a certeza que vamos dar a volta por cima, demore o tempo que demorar, nunca
nenhum drama é eterno, há a queda, há o digerir da queda, há o sentir as dores
da queda e há o erguer, tem que haver o erguer, para uns mais rápido de que
para outros, mas ninguém pode viver eternamente infeliz, é contra natura! Vejo
rostos densos que entram no estabelecimento, sem uma palavra proferir, os seus
olhares são opacos, a sua boca não responde ao mais básico cumprimento de coexistência
social, não me encaram talvez com medo que lhes perceba a densidade de suas
almas, mas não é a mim, nem a ninguém que têm que prestar contas, é a si
mesmos, eu tenho uma vida própria para cuidar, dos outros só me importa se são
felizes e se com isso deixam o mundo um pouco melhor…
Doem-me as suas perspetivas de superioridade
face à pequenez da pessoa que atende o público, doem-me os seus olhares
trocistas e os seus sorrisinhos sarcásticos, não me conhecem, quem sabe se
apesar de não ter um doutoramento não serei até bem mais inteligente que eles
mesmos? Pelo menos aprendi mais da escola da vida e isso deu-me inteligência
suficiente para ser cordial com o próximo e para não me sentir superior a
ninguém.
Alegram-me os clientes de alma
leve, a empatia criada por vezes com alguém que acabei de conhecer, mas que
sinto que poderia levar para a vida, alegra-me apoia-los com as minhas palavras
e saber que se despedem de mim com a alma mais leve e um sorriso no rosto,
alegram-me os bons dias expansivos e sorrisos translúcidos, a estes clientes
dou-lhe o mundo se puder, aos outros digo-lhes: Obrigada! Volte sempre! (ou
não).
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